terça-feira, 26 de outubro de 2010

Consolação

E agora que dei pra falar de sonhos, signos e saudades. Eu, sempre tão cética, tão deixa disso que astrologia não tem nada a ver e fim. Fim teve isso: eu descrente. Sabe, um dia vou medir o egoísmo redundante dos meus textos. Eu, eu, eu. Sempre me pergunto: vou falar do quê? Do amor não correspondido, chutado e ignorado? Do olhar que neguei retribuir no metrô cheio de vazio - inclusive o meu? Falo então da minha vontade latente de saltar na liberdade. Assim, saltar de verdade, não apenas descer.

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Nesse dia mesmo, do olhar, a vontade era pular, me jogar, sumir dali, contanto que fosse para a liberdade. Mas meu destino final era a consolação. Sempre é. Sempre foi. À consolação, sozinha e sem olhares. O ignorado se foi no paraíso, o vazio encheu-se na baldeação. E eu segui, desconsolada, entre vírgulas, vocativo do meu ponto final - a consolação.

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Tudo são linhas, idas, vindas, paradas, estações. Nada fica, somos todos passageiros. E, nesse caminho todo, meu fim é a consolação.

Desço na próxima, por favor.

terça-feira, 28 de setembro de 2010

novo, de novo.

Ali esteve por quase uma hora. Entorpecida, sem mover um músculo sequer. A realidade acabara de demolir brutalmente a porta daquele quarto dos fundos. Não sabia o que fazia lá. Não sabia o que fazia voltando àquela cidade. Não sabia o que fazia, isolando-se naquele quarto velho. Nunca havia estado ali antes. Mal cabia lá dentro, ela e todo aquele hiperbólico mundo, alagado por tantos eus. Em sua mão esquerda sob o joelho esfolado, surrado por marcas de sua amnésia periódica, agoniava-lhe aquela identidade. Fora e não era. Estava, mas não queria estar. Pensava, a cabeça, pesava, a pálpebra, penava, a lembrança inexistente. Sentiu saudade, mas não soube exatamente do que. Sentiu-se burra; lera pouco, escrevera baboseiras e nunca falara o que deveras tinha em mente. E ainda faltava plantar uma árvore. Atormentou-se tentando pensar num futuro, esbarrou com o negro do passado, ausência. Refletira por alguns segundos que talvez fosse melhor mesmo uma vida cumprida a uma comprida. Sabia que não tinha tempo, nem queria ter. Seriam mais dias de decepções, quebras e buscas sem encontros. Tudo era curto demais. O certo demais nunca viera. Certo era o fim, apenas. Parou de pensar, desceu até o jardim, jogou as sementes. Sentou-se no banco da frente e decidiu esperar. O fim chegaria. Apresentar-se-ia no amarelo vívido de um ipê.

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Despediu-se de Brasília e de tudo que um dia fora. Voltava para o novo, de novo. Uma parte morta, enterrada. Outra parte germinando dias de novas esperanças.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Moulin Rouge Nuits / São Paulo, 08.08.2010

Não dá pra ver estrelas daqui - Disse ela de fronte a ele, chapada no sofá da sala. Pega um espelho e você vai ver... – de pronto ele respondeu, rasgando com seu olhar hipnótico as grossas lentes ao rosto. É, verei quinze, né? – balbuciou muda, praticamente o ensaio de um pensamento alto. Não, você vai ver uma só... – pontuou o papo, povoando, por fim, com um longo e compartilhado silêncio a sala em chamas...

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Ainda estatelada no sofá da sala, ainda olhando fixamente para a luz vermelha do abajur ao chão, ela desenvolvia. Inacreditável um céu sem estrelas. Inacreditável caminhar sem taciturnas testemunhas. Intercalava o vermelho do abajur com o branco vazio do teto, tinha toda a certeza de que, por entre os sons de carros acelerados e sirenes escandalosas, ouviam-se sussurros de uma vida latente. Distante, lá fora, lá pra cima...

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Adorava sentir-se extasiada, adorava aquela sensação dos neurônios pulsando forte. Concluía sua divagação ao silêncio: sob esse céu carregado de estrela alguma, levo comigo minha própria constelação... Tão logo ousou continuar sua linha de raciocínio, Caetano invadiu a sala edificando um novo muro de significação...

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quinta-feira, 29 de abril de 2010

Hiper-real.

Tudo era, mesmo não sendo. Víamos como fuga, o lugar que mais nos encontramos. Sorríamos, beijávamos, tragávamos, prendíamos e sorríamos novamente. Num tão viciante ciclo, que ele mesmo viciou-se em si mesmo. Viciante ciclo vicioso do qual abolimos tangentes. Dali, depois de entrar, ninguém jamais sairia. Foi na evasão, que mais fomos nós. Não retornaríamos daquilo que tínhamos nos tornado. Agora era a gente. Éramos gente. Era você, era eu. Era você. Tão vestido de si, completamente nu pra mim. Era eu. Tão perdida em certezas, me encontrando em meus achismos. Nos fundíamos em peruanas. Eu te sentia, como sempre. Você me tocava, como nunca, sem um toque sequer. Ignorávamos as muitas peças de roupas, dessa vez organizadamente amontoadas em nossos corpos. Despíamo-nos ainda que nos mantivéssemos vestidos. Experimentei seu sorriso mais sincero, preenchi-me. Agradeci retribuindo. As horas passavam, a sensação perdurava. Afogava-me numa lenta onda de calor, envolvia-me na malemolente dança do ar. Era fremindo que eu te observava com um olhar inocente, lançando fagulhas de uma 2ª intenção reprimida, agora era você que retribuía. As significativas sílabas de um silêncio revelador me diziam. Não me permitiria afugentar detalhe algum. E não o fiz. Nada me foi tirado com o clarão da lucidez. Lembro-me bem de nossa dopada realidade. Lembro-me bem do real mais verdadeiro que já experimentei. Não era só real, não era surreal, era mais que isso. Era eu e era você e, fora dali, era o resto do mundo. E só.

quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Manuela Bomba

O dia tem me sufocado. Me apertado tão forte o peito, que não tarda meu já coagulado sangue escorrer por entre os dedos do sujeito desta minha voz passiva. A falta de ar tem sido inevitável, sinto como se tivesse presa numa gaiola de vidro. Frágil, transparente, intransponível. Pequenina, fruto de mim mesma, por onde, entre sóis e luas, só tenho enxergado meu, apagado e quase imperceptível, reflexo inverso. Os versos, que nunca vieram, hoje morrem também no amanhã. As manhãs, estas sempre tão difíceis, são cada vez mais noites de notas ao nada. Largaram-me, as palavras. As composições me ensurdeceram, todas elas. Limitei-me em mim mesma. Meus tendões foram todos brutalmente cortados. Equilíbrio? Verbete desconhecido do meu novo dicionário. Minha corda é bomba, explodiu minhas asas. Eu sou bomba, explodi a mim mesma.

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

São Paulo, 31.01.10

Domingo, 16h. Só agora meu corpo resolveu responder positivamente ao dia que, há tempos, urgiu. Lá fora, berros de suor se propagam no ar, o asfalto arde na ausência dos passos, e as plantas, as poucas plantas que ainda restam, ensaiam a morte. Estáticas, uma menção honrosa à natureza que um dia ali existiu. Domingo não há vento, não há brisa. Domingos são ausências.
Minha cabeça fervilha, sinto pontadas em meu parietal, é como se a vodka de ontem inescrupulosamente tentasse implantar um chip de memória em meu crânio. Eu não lembro nada, ta legal? Não faço questão alguma de lembrar. Os vestígios de memória foram todos dissolvidos em álcool e vomitados antes de eu me deitar, obrigada. E dei descarga, acho.
Ensaio uma, ensaio duas. Três, são os ensaios exatos para me levantar e colocar, ao menos, uma roupa de baixo. Quando bebo demais, acordo nua. Nunca sei onde vão parar minhas roupas, elas sempre somem. E eu sempre acordo sozinha. Sinal de que devo, antes do “boa noite, cinderela”, me divertir com o meu eu – alcoólatra - lírico. Nunca sei...
Levanto num passo marcado pelo total desequilíbrio. Esbarro em algumas garrafas esquecidas pelo chão. Puta que pariu, preciso parar de beber! O chão preguento me lembra o piso de qualquer quarto velho num puteiro de beira de estrada. Sentiria ânsia de vômito. Sentiria, caso meu corpo fosse capaz de reagir a qualquer coisa. A casa cheira a zona. Aquele futum de cinza de cigarro, cerveja passada e incenso enjoativo. E a minha cabeça pesa como se eu carregasse os quilos excedentes de uma lembrança obesa.
Puta que pariu, preciso parar de beber... O cheiro está insuportável e... Caralho! Quem diabos fez a pia do banheiro de cinzeiro? Resolvo sair. Vou peitar a solidão da cidade, impossível permanecer aqui dentro na presença dos fantasmas da noite anterior. Enfrento a rua e mais uma vez concluo: domingos são ausências. Caminho rumo ao nada, ao encontro de ninguém. E encontro. Encontro ninguém, apenas o forte cheiro daquele velho cobertor ocre esquecido no armário de cima da penteadeira do meu quarto. No domingo, a cidade inteira cheira a mofo, desuso. Em suas esquinas, tão vazias, poços transbordam lamentos. O som da solidão, sempre calado, aloja-se em cada porta cerrada. Arrepio-me toda ao olhar pra frente e só conseguir fitar um horizonte concreto. Domingos são ausências. Não importa pra onde você vai, domingos são sempre domingos. E as ausências estão sempre presentes, principalmente num domingo como esse.