segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

São Paulo, 31.01.10

Domingo, 16h. Só agora meu corpo resolveu responder positivamente ao dia que, há tempos, urgiu. Lá fora, berros de suor se propagam no ar, o asfalto arde na ausência dos passos, e as plantas, as poucas plantas que ainda restam, ensaiam a morte. Estáticas, uma menção honrosa à natureza que um dia ali existiu. Domingo não há vento, não há brisa. Domingos são ausências.
Minha cabeça fervilha, sinto pontadas em meu parietal, é como se a vodka de ontem inescrupulosamente tentasse implantar um chip de memória em meu crânio. Eu não lembro nada, ta legal? Não faço questão alguma de lembrar. Os vestígios de memória foram todos dissolvidos em álcool e vomitados antes de eu me deitar, obrigada. E dei descarga, acho.
Ensaio uma, ensaio duas. Três, são os ensaios exatos para me levantar e colocar, ao menos, uma roupa de baixo. Quando bebo demais, acordo nua. Nunca sei onde vão parar minhas roupas, elas sempre somem. E eu sempre acordo sozinha. Sinal de que devo, antes do “boa noite, cinderela”, me divertir com o meu eu – alcoólatra - lírico. Nunca sei...
Levanto num passo marcado pelo total desequilíbrio. Esbarro em algumas garrafas esquecidas pelo chão. Puta que pariu, preciso parar de beber! O chão preguento me lembra o piso de qualquer quarto velho num puteiro de beira de estrada. Sentiria ânsia de vômito. Sentiria, caso meu corpo fosse capaz de reagir a qualquer coisa. A casa cheira a zona. Aquele futum de cinza de cigarro, cerveja passada e incenso enjoativo. E a minha cabeça pesa como se eu carregasse os quilos excedentes de uma lembrança obesa.
Puta que pariu, preciso parar de beber... O cheiro está insuportável e... Caralho! Quem diabos fez a pia do banheiro de cinzeiro? Resolvo sair. Vou peitar a solidão da cidade, impossível permanecer aqui dentro na presença dos fantasmas da noite anterior. Enfrento a rua e mais uma vez concluo: domingos são ausências. Caminho rumo ao nada, ao encontro de ninguém. E encontro. Encontro ninguém, apenas o forte cheiro daquele velho cobertor ocre esquecido no armário de cima da penteadeira do meu quarto. No domingo, a cidade inteira cheira a mofo, desuso. Em suas esquinas, tão vazias, poços transbordam lamentos. O som da solidão, sempre calado, aloja-se em cada porta cerrada. Arrepio-me toda ao olhar pra frente e só conseguir fitar um horizonte concreto. Domingos são ausências. Não importa pra onde você vai, domingos são sempre domingos. E as ausências estão sempre presentes, principalmente num domingo como esse.

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