sábado, 26 de dezembro de 2009

Cotidiano, mudança de.

Carregava em si toda amargura de pensamentos indesejados. Sentia-se vazia, era o costume. Sempre se considerou oca, como uma cabaça sedenta por água num andar sertanejo. Ardia-se diariamente em arrependimento por todas as palavras nunca, nem ao menos, balbuciadas. Incomodava a sensação de perda pré-fabricada. Perda que, pensava ela, nunca viria a sentir verdadeiramente. Provava o amargo gosto de uma nostalgia prematura, a saudade de algo que jamais vivera. Sabia que, tão logo, junto à solidão, estresir-se-iam as idéias, como sempre acontecera. Mas acreditava, ou, mais que isso, tinha a certeza, que nada, fora o espaço, o tempo e as direções, nada, de fato, mudaria. Acordou de repente naquela noite. Fez de refúgio para seu olhar o horizonte nublado exposto pela janela do quarto. Era dezembro, e em dezembro raramente chove. Mas naquela madrugada de quinta-feira chovia. Seu olhar medroso escondia-se por entre os pingos grossos que, sutilmente, desfaleciam na terra preta. Era o sexto e repetido dia em que recebia aquela visita inesperada em seus sonhos. A mesma senhora. Sempre ela. Com seus traços tristes e o olhar perdido. Era inofensiva, não provocava medo, mas expelia o odor da dúvida pela madrugada. Aparecia sempre, do mesmo jeito. O dia que era noite, cinza como o verão londrino. Sons ausentes, só era possível ouvir os uivos do vento manobrando por entre as frestas esquecidas das janelas. As folhas traçavam seus caminhos impostos no asfalto frio. Estava num terminal rodoviário. Vazio, como numa tarde de segunda-feira dos finados. Total ausência de sorrisos. Nem uma lágrima fabricava-se. Para onde quer que olhasse, era impossível não perder-se em meio a tanto nada. E ela estava lá. Era notória, mesmo que, por ela, nada fosse notado. Imóvel, olhos mareados, fixados onde, um dia, existira um adeus. Braço esquerdo estendido, inerte. Uma expressão intraduzível. Seria tristeza, melancolia? Era vazia de significado. Era saudade. Era a esperança afoita pelo retorno que, sabia a senhora, jamais ocorreria. Este sonho a atordoava. A acordava. Acordava sem entender o porquê. Acordava angustiada, a procura de explicações. Acordava, cada dia mais, para a realidade. Era hora de partir. Era hora de cotidiano. Era hora de mudança de.

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