quinta-feira, 5 de novembro de 2009

Matéria de poesia...

Um súbito despertar. O corpo trêmulo, como carne exposta em açougue. No extremo direito da cabeça, me ardia cada sinal que ponteava minhas sinapses. As idéias me saltavam dos poros. Os olhos inquietos, ainda que morbidamente cerrados, ensaiavam uma iminente convulsão de palavras. Minha jugular pulsava, como o coração de um taquicardíaco infartado. Tateei à minha volta. Uma escuridão calma e erma como cenário ironizava toda agitação. Era excitação. Era tensão. Era tesão. Inspiração. Era o desconhecido explodindo dentro de mim. A vontade de abrir os olhos me tomava. Seria uma morfina. Cessaria tão prazerosa dor. Dor de existir em meus próprios pensamentos. Dor de estar nua frente a mim mesma. Dor de reconhecer meus traços mais viscerais, libertar-me da censura e do repúdio. Estava ali, encarando-me com olhos amargos mas extremamente hipnotizantes. No chão, sutilmente molhado, máscaras. Eu urrava com meus olhos, eu bicho, eu selvagem. Lançava verdades ácidas com a evidente intenção de me ferir. Morfina não. Não seria agora que acordaria daquele pesadelo transbordando o real. Não agora. Vi as sombras que me acompanham, vi cada sorriso seqüestrado. E não me era doloroso. Fortificante, como cera de vela em pele de virilha. Um ardor instantaneamente lento, aquele suspiro prolongado e excitação. Tesão puro. Fonte abundante de um sorriso malicioso, que me brotou no rosto tendendo a perversão. Aquele universo egocêntrico, hiperbolicamente egoísta, me fez escrever. Matéria de poesia, eu. Transcender-me, impossível para mim. Quem sabe um dia escreverei sobre o sol, a vida e as pessoas que amei. Por enquanto sou presa a este mundo mesquinho, terra natal de minhas palavras. Matéria de poesia, eu... E, quem sabe, eu até goste.