terça-feira, 29 de julho de 2008

a madrugada...

Não caminho pela vida. Não lhe dou bom dia, boa tarde ou boa noite e, desapercebida, volto ao meu estado inerte de mera peça compositora. Não ando pelos dias como uma caxeira viajante rumo ao nada. Não complemento cenários. Não sou mais um vidrinho na estante do supermercado. Rotulada, encaixada, classificada, com o preço estampado na testa e a data de validade exposta, pra quem quiser ver. Viver! Eu vivo pelo caminho. Sigo vontades, não regras. Odeio bipolaridades, já que a vida é bem mais do que certo e errado. Bem e mal. Sol e chuva. Noite e dia. Quanta baboseira! E os perfumes afrodisíacos e inebriantes que inalamos durante as madrugadas? Irreais?! Jamais, eu te direi. São eles que alimentam minhas noites e inspiram meus dias. A madrugada e toda sua fantasiosa verdade. É nela que os sorrisos, tão artificiais e forjados, nos mostram a felicidade barata. A madrugada e seu libidinoso elixir tornam possível viver de amores, amoras e mortes. Mortes por segundo. Do eu. Do você. Do eu que se apaixonou por você. Sentimentos efêmeros e descartáveis. Pessoas bumerangues e seus beijos plásticos. Relações compromissadamente descompromissadas. “Tenho tanta gente e estou sempre tão sozinha”. A madrugada é trapaceira, amigo. Dá-te todos. Mas, ledo engano, não tens ninguém. É assim, o prazer existe e deixa de existir antes mesmo que você goze de parte do que lhe foi oferecido. É a nota de 50 reais que você encontra amassada no bolso daquela velha calça... no momento em que você a pendura no varal para secar. Não caminho desinteressada pela madrugada, vivo. Observo. Silencio, junto ao silêncio das fortes batidas eletrônicas, que testemunham todos os truques comigo. A madrugada é encantadora. Suas artimanhas seculares cegam, abobalham-nos de forma irreversível. Seus presentes, sem passados e cujo futuro não se tem notícias, dopam. Alquimia pura! Entramos em êxtase, passamos a existir num mundo de prazeres. Sexo sem sexo. Bocas que se encontram, engolem, babam. Línguas que se perdem a procura de sinônimos para um beijo. E encontram o fracasso. Fagocitam, mas desconhecem sentir o coração com os lábios. Madrugada. Exatamente você. Minha grande professora. Me mentoreou. Me mostrou o perfeito mundo das imperfeições. Despeço-me de suas tentadoras oferendas. Doei-me ao Amor. Um único. Mas nunca, em todo o meu viver, serei capaz de me despedir de você...

2 comentários:

Tuller Lacerda disse...

Perfeito Manu... perfeito!!!!

Heráclides disse...

Estava sentado enquanto lia. Na frente, a tela. Ao lado, uma estante calma. À medida que conhecia uma frase e depois outra, não me encontrava mais aqui. Estava lá fora, na madrugada, vendo, ouvindo, experimentando o que narrava. Vim reverenciar seu texto-passaporte, seu hipertexto, sua alquimia.